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Bocas do Galinheiro No centenário de Pasolini

06-09-2022

Assinala-se este ano o centenário do nascimento de Pier Paolo Pasolini que, antes do cineasta que todos recordamos, foi poeta e romancista. Como escreveu Carla Benedetti, “em todos estes campos chegou ao topo, de tal modo que se se tivesse exprimido apenas num deles continuaria a ser recordado”. Nascido a 5 de Março de 1922, em Bolonha, filho de Carlo Alberto Pasolini e de Susanna Colussi escreveu as primeiras poesias aos 7 anos. Em 1942 saiu, como disse, “o meu primeiro livrito” Poesie a Casare, em dialecto friulano, que aprendeu com a mãe, (que com o nome de casada, Susanna Pasolini, interpreta a Virgem Maria, em velha, no filme do filho O Evangelho Segundo S. Mateus), natural de Casarsa della Delizia, Friuli-Venezia Giulia, região do nordeste de Itália. O pai, oficial do exército, conheceu a mulher em Casara, onde era capitão. A relação com o pai nunca foi fácil (um conservador, o outro militantemente antifascista), ao contrário da cumplicidade que tinha com a mãe, com quem vai para Roma em 1949, depois de ter sido expulso do Partido Comunista por causa da sua homossexualidade, um entre muitos processos que enfrentou ao longo da vida, muitos deles por causa dos seus escritos e dos seus filmes.

Os primeiros tempos na capital não são fáceis. Com a ajuda do poeta em dialecto abruzês, Vittorio Clemente, consegue colocação como professor numa escola privada de Ciampino, no seu entender “dois anos de duro trabalho, de pura luta”, já com o pai, doente, que, entretanto, se lhes juntara. Será Giorgio Bassani, que o leva para o cinema, como argumentista, colaborando com ele em A Rapariga do Rio Pó (1954), de Mario Soldati, segundo uma história de Alberto Moravia e Ennio Flaiano e Il prigioniero della montagna (1955), de Luis Trenker e com Federico Fellini, igualmente realizador, em Noites de Cabíria (1957). Em 1955 é publicado o seu romance Ragazzi di vita, uma obra que vai ser alvo da censura feroz pela temática que aborda: a realidade dos bairros de lata e o desespero de uma juventude sem perpectivas, mas que lhe abre o reconhecimento como escritor. A novela seria adaptada ao cinema por Mauro Bolognini, com o título La notte brava (1959). O segundo romance, Una vita violenta sai em 1959, igualmente se debruçando sobre a realidade italiana, ao mesmo tempo que continua a escrever poemas, publicando, entre outros Poesia in Forma di Rosa (1964), Trasumanar e Organizzar, (1971). A sua morte prematura, foi assassinado em 2 de Novembro de 1975, em circunstâncias obscuras, apesar de haver um assassino confesso e uma condenação, Giuseppe Pelosi, alegadamente na sequência de uma noite de engate, mas com depoimento e provas pouco consistentes face à violência imprimida, um culpado à medida, que, entretanto, já cumpriu a leve pena a que foi condenado, cortou abruptamente a sua produção quer literária, quer cinematográfica, havendo várias publicações póstumas, entre as quais o romance inacabado Petróleo, sendo o seu último filme, Salò o le centoventi giornate di sodoma estreado (e proibido) depois da sua morte.

No cinema, como realizador, estreia-se em 1961 com Accatone, argumento de Pasolini (com Bernardo Bertolucci, como assistente de realização), alvo de ataque por parte do grupo de extrema-direita Nuova-Europa que agride espectadores e vandaliza o cinema no dia da estreia. Mais uma vez a temática abordada, a exploração de prostitutas pelos chulos e a delinquência, os bairros de lata (os borgate), estão no meio desta disputa. Como foi regra no cinema italiano do pós-guerra, neste como noutros filmes seus, Pasolini recorre a actores não profissionais. Mas será a sua participação no filme de sketches, muito em voga na altura, ROGOPAG (1963), em que o seu episódio La Ricotta, foi considerado blasfemo, pela seu tratamento da Paixão de Cristo, sendo o autor preso e condenado, se bem que em pena suspensa. (Pasolini ainda vai estar noutros filmes do género ao lado de monstros sagrados do cinema italiano, como Vittorio De Sica, Franco Rossi, Mario Monicelli, Roberto Rossellini, além de Jean-Luc Godard que também tem um segmento neste filme). Perante isto a estreia de O Evangelho Segundo S. Mateus (1964) gerou muitas expectativas, mas suplantou-as, pela positiva, sendo unanimemente considerada uma das suas obras maiores, premiada até pelos organismos católicos!

Outro ponto alto da sua obra é Teorema (1968), que com Porcile (1969), a que chamou cinema de elite, ou seja, as explorações da parábola, em vez de cinema para as massas, formam um díptico. Um cinema a expor a ressaca de 68.

 A chamada “Trilogia da Vida”, de que fazem parte Decameron, (1971), Os contos de Canterbury (1972) e As Mil e Uma Noites (1974) pode ser vista como um interregno optimista na carreira do realizador, ou mesmo comercial, que motivaram um texto autocrítico, “Abjurei a trilogia da vida”, tornado público pelo “Corriere della Sera”, em 9 de Novembro de 1975 e publicado em Portugal em “Ùltimos Escritos – Pier Pasolini”, editado pela Centelha em 1977.

Como já referimos, o fim da carreira de Pasolini não poderia ser mais dramático. Para além da sua morte, toda a controvérsia à volta do seu último filme, Salo: foi proibido depois da morte do cineasta (em Portugal só estreou em Setembro de 1976, quase um ano e meio depois da abolição da censura pós 25 de Abril de 1974!), mantendo-se ainda hoje os defensores e detractores do filme, tal a violência ou realismo como retracta o fascismo associando-o ao sadismo.

Como escreveu em 1960 numa ficha autobiográfica, “amo a vida ferozmente, tão desesperadamente, que não me pode advir daí algum bem … Como irá acabar, não faço ideia…”  

Até à próximo e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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