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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Bocas do Galinheiro Cunha Telles e Straub

12-12-2022

Mais uma vez vamos recordar duas figuras do cinema que desapareceram recentemente: António da Cunha Telles e Jean-Marie Straub.
O primeiro é um dos cineastas mais importantes do cinema português, quer como realizador, distribuidor, mas principalmente como produtor. É nesta qualidade que emerge no início dos anos 1960 como principal produtor do movimento que viria a ser conhecido como Cinema Novo Português. A ele se devem Os Verdes Anos (1963), de Paulo Rocha, Belarmino (1964), de Fernando Lopes e Domingo à Tarde (1965), de António de Macedo, filmes seminais de um cinema que queria cortar com todo o passado cinematográfico, poupando apenas alguns nomes à mediocridade dominante, casos de Manoel de Oliveira e Manuel de Guimarães, dois exemplos de ética singular e percurso marginal, um cinema cujas referências eram exclusivamente estrangeiras, com preponderância da Nouvelle Vague francesa, mas também influências italianas como o neorrealismo, dinamizado em tertúlias cinéfilas de Lisboa, sendo as mais conhecidas a do Vá-Vá e a do Ribadouro A elas e às suas influências estão ligados os dois primeiros filmes do movimento, o de Paulo Rocha, mais formalista, com uma estética mais visual, foi filmado no prédio do mítico café, onde morava o realizador, os meios eram poucos, e cuja cena final aí tem também lugar. O de Fernando Lopes, mais ligado à tertúlia da Ribadouro, um grupo mais influenciado pela corrente realista e ligado a cineclubismo.
Projecto inédito em Portugal, Cunha Telles possibilitou sucessivamente as primeiras obras de fundo a outros realizadores como Catembe (1964), de Faria de Almeida, Sete Balas Para Selma (1968), de António de Macedo e as Ilhas Encantadas (1965), de Carlos Villardebó, mas recuperou também o veterano neorrealista Manuel de Guimarães, produzindo O crime da Aldeia Velha (1964) e O Trigo e o Joio (1965). Graças a Cunha Telles uma nova geração emancipou-se perante as maiores contrariedades, apesar de diferentes filiações estéticas. Um Cinema Novo que apesar da boa recepção por parte da crítica, era ignorado pelo público, o que levou à falência das Produções António da Cunha Telles e, só com o apoio da Fundação Gulbenkian e o nascimento do Centro Português de Cinema, foi possível continuar o cinema novo.
Tendo conseguido uma bolsa do Fundo do Cinema Nacional, ingressa no IDHEC (Institut d’Hautes Études Cinematographiques), em Paris, onde é contemporâneo de Paulo Rocha, daí a sua ligação e a produção de Os Verdes Anos, depois da aventura na produção abraça a produção e logo com grande estrondo. A sua primeira longa-metragem, O Cerco (1970) foi o filme mais visto do Cinema Novo e o de maior sucesso comercial do cinema português até então, um admirável sucesso de bilheteira, pouco comum em filmes nacionais. “Eco tardio do Cinema Novo português dos anos sessenta (foi realizado com película 35mm vinda da rodagem de Mudar de Vida, de Paulo Rocha), o filme em que Cunha Telles se estreou no argumento e na realização foi também o filme que revelou a extraordinária fotogenia de Maria Cabral, aqui no papel de uma personagem que atravessa o filme, tão cercada com a cidade com que a sua história se mistura: Lisboa” (programa da Cinemateca Portuguesa aquando de um ciclo dedicado ao cineasta em 2014). Seguiram-se outros filmes abordando temas variados desde os retratos geracionais, filmes de intervenção política e ficção de época como Meus Amigos (1974), Continuar a Viver e Os Índios da Meia Praia (1976), Vidas (1983), Pandora (1993) e Kiss Me (2004). António da Cunha Telles morreu no passado dia 23 de Novembro aos 87 anos.
Jean-Marie Straub, falecido a 20 do mesmo, aos 89 anos, é uma figura incontornável do cinema europeu, junto com a sua mulher e companheira de caminhada cinéfila, Danièlle Huillet.
Assinavam ambos os seus filmes, até à morte dela em 2006.
Os “Straub” iniciaram a sua aventura cinematográfica com uma curta-metragem, Machorka-Muff (1962/63), fariam muitas nas suas longas carreiras, sobre uma história de Heinrich Böll, a que se seguirá Não Reconciliados (1965), também adaptado de Böll, para em 1967/68 dirigirem o seu primeiro grande êxito, A Pequena Crónica de Ana Madalena Bach, que visita a música de Bach através das memórias da sua mulher. Filmes como Da Nuvem à Resistência (1979) ou Sicilia!, o último que filme que vimos dos cineastas, nas sessões especiais do Cinema S. Tiago, ambos resultantes de adaptações literárias, quase sempre muito fiéis à obra escrita, primeiro a partir de Cesare Pavese e o segundo de Elio Vittorini, que já haviam encenado no Teatro de Buti. Depois da morte de Daniélle, Jean-Marie Straub manteve vivo o seu cinema até 2020 quando dirige La France contre les robots, a partir de Georges Bernanos.
A obra de Straub e Daniélle, imortalizada nos seus filmes, pode ser mais bem conhecida no documentário de Pedro Costa, Danièlle Huillet, Jean-Marie Straub Cinéastes (2001), sobre o trabalho/aula de montagem, precisamente de Sicilia?, mas que vai muito além disso, dando uma ideia clara das ideias e métodos dos autores.
Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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