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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Bocas do galinheiro Espiões, livros e filmes (a propósito de John Le Carré)

25-01-2021

O fascínio pelo mundo da espionagem é transversal a várias formas de conhecimento, desde logo pelos variados relatos de episódios reais, quer em tempo de guerra, quer através de obras de ficção, algumas baseadas nas vivências dos seus autores. Vem isto a propósito da morte de Jonh Le Carré, que, a par Ian Fleming, contribuiu para que a exploração desse género, que ambos conheceram por dentro, pois foram agentes secretos antes de se dedicarem à escrita, aliás, tal como Graham Greene, a quem devemos prosas excepcionais. Qualquer deles com vasta obra ambientada nos meios escorregadios dos serviços secretos, povoados de agentes duplos e belas mulheres, claro. No cinema ganhou Fleming. O seu 007 de Hollywood tornou-se uma imparável série de blockbusters com o qual as grandes adaptações de Greene e Le Carré, não conseguiram competir. Porém, em consistência narrativa, fica a perder. Não se pode ter tudo!
Mas antes de voltar aos filmes, não resisto a trazer aqui um espião português na II Guerra, de seu nome Rogério Peixoto de Meneses, que viveu largos anos em Castelo Branco, na pele de um pacato professor, até ser “descoberto” pelo “Tal e Qual”, um jornal que na época, anos de 1980, fazia sua a bandeira do jornalismo de investigação. Também o Jornal do Fundão agarrou o tema, julgo, sem nunca conseguir chegar à fala com o nosso espião em Londres. Funcionário da Embaixada de Portugal na capital inglesa, havia sido recrutado por agentes alemães em Lisboa, para onde era suposto enviar, via mala diplomática, informações que pudessem ser aproveitadas pelo Eixo. Uma dessas cartas foi interceptada pelo MI5 que descobrira as suas actividades através da descodificação das comunicações alemãs. Preso e condenado à morte, dois dias antes do seu enforcamento, a pena foi-lhe comutada em pena de prisão perpétua a pedido do Governo português, diz-se que com intervenção do próprio Salazar. Finda a guerra, acabou por ser libertado em 1949, depois de ainda ter estado preso dois meses em Portugal, fixando-se em Castelo Branco, onde acedeu a contar a sua história ao advogado e professor José António Barreiros, com várias obras sobre a espionagem em Portugal durante a II Guerra Mundial, que a verteu para o livro «O Homem das Cartas de Londres - Rogério de Menezes». Privei alguns anos com Rogério de Menezes, mas nunca abordámos o tema da sua prisão. Também José António Barreiros foi meu professor, mas duvido que na altura soubesse da existência de Rogério de Menezes. Curiosas coincidências, como diria o outro.
Voltando a John Le Carré, de seu verdadeiro nome David John Moore Cornwell, estreou-se na ficção em 1961 com “Chamada para a Morte”, onde aparece George Smiley que irá protagonizar muitas das suas obras. Mas é com “O Espião Que Saiu do Frio” de 1963, e a sua adaptação ao cinema em 1965 num magnífico filme de Martin Ritt, com Richard Burton, Clara Bloom e Rupert Davies, que a sua marca de destaca (Graham Greene considerou-o melhor livro de espionagem que já lera), consolidando-se depois com a trilogia “The Quest for Karla”, composta por “A Toupeira”, “O Ilustre Colegial” e “A Gente de Smiley”, que o coloca na galeria dos grandes escritores do século XX.
Notável foi o George Smiley de Alec Guiness na mini-série de televisão de sete episódios rodada em 1979, “Tinker Taylor Soldier Spy”, baseada na personagem saída da imaginação de Le Carré e situada na Guerra Fria, como se impunha à época, sendo que o actor com igual brilhantismo voltou a vestir a pele do veterano agente em “A gente de Smiley”(1982), outra mini-série de 6 episódios e que valeu a Alec Guiness o BAFTA de melhor actor de televisão. Aliás, a excelência da obra de Le Carré deu oportunidade a outros grandes actores de protagonizarem adaptações de outros livros seus, desde logo Ralph Fiennes em “O Fiel Jardineiro” (2005), de Fernando Meirelles, ainda com Rachel Weisz, uma trama à volta da corrupção por detrás da indústria farmacêutica, ou Pierce Brosnan (que também vestiu várias vezes o fato de James Bond) e Geoffrey Rush em “O Alfaiate do Panamá” (2001), de John Boorman, e como se lembram, Sean Connery bem acompanhado por Michelle Pfeiffer em “A Casa da Rússia” (1990), de Fred Schepisi, com a curiosidade de ter sido filmado em Lisboa, mas um tanto aquém de outras adaptações. Mais recentemente e da trilogia de “The Quest for Karla”, foi adaptada a novela “A Toupeira” (2011), dirigido por Tomas Alfredson, com Gary Oldman como George Smiley e ainda Colin Firth e John Hurt, bem como “O Homem Mais Procurado (2014), de Anton Corbijn, com Philip Seymour Hoffman no protagonista, um dos seus últimos filmes. E já que falamos de actores, lembrar aqui outra mini-série, “Gerente da Noite” com Hugh Laurie, mais conhecido de outra série “Dr. House”, agora que se anuncia a produção de uma adaptação televisiva de “O Espião Que Saiu do Frio”.
Falecido em Dezembro de 2020, a John Le Carré, digo, a David John Moore Cornwell, devemos umas dezenas de livros que nos deliciaram tal como os que passaram para a tela, não só os que aqui lembrámos mas outros tantos que estarão disponíveis em vários suportes.
Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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