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António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas ‘Subida das taxas de juro deve ser extremamente controlada’

24-10-2022

Um bairro residencial para estudantes nacionais e estrangeiros, nas principais capitais. É esta a ideia avançada pelo bastonário da Ordem dos Economistas. António Mendonça afirma ainda que Portugal precisa de «reorganizar» a sua economia, defende o regresso em força à indústria, e avisa que a subida das taxas de juro deve ser extremamente controlada.

Há alguns meses, a propósito do Orçamento do Estado (OE) para 2023, defendeu que o documento devia ser «dinâmico, cauteloso e pró-estrutural». A proposta agora apresentada pelo governo cumpre estes requisitos?
O enquadramento atual é muito complexo, a vários níveis. Estamos a assistir a uma convergência de tendências de transformação da economia global e que já se estão desenhando há bastantes anos. Tiveram uma forte dinâmica com a crise financeira de 2008/2009 e de lá para cá têm vindo a acentuar-se, tanto por fatores internos, como devido a fatores exógenos. A pandemia e a guerra vieram acelerar, ainda mais, estas transformações. Acredito que o ano de 2023 seja uma expressão concentrada destas mudanças todas.

No meio de tanta incerteza, a única certeza é que a volatilidade veio para ficar…
Há muitos desfechos que não conseguimos antecipar, nomeadamente a manutenção das regras da economia global, aquilo a que costumamos chamar a liberdade de circulação de pessoas, bens, capitais, etc. O futuro destas regras vai depender da evolução do relacionamento entre grandes potências económicas do planeta, sendo as situações de rutura entre estados muito preocupante. O OE 2023 vai ser marcado pelo facto de Portugal ser um país pequeno, no contexto europeu e global, mas não conseguirá fugir à grande incerteza no contexto mundial.

Deixe-me voltar à pergunta de partida. Esta proposta de OE cumpre os três requisitos por si fixados?
Considero que a proposta é dinâmica por dar uma resposta flexível à evolução que se antevê, mas não sabemos ainda a real dimensão das consequências económicas. Mais do que cautelosa, acho que a proposta apresentada pelo governo é precavida, existindo reservas que permitam atender a eventuais necessidades, e tendo em linha de conta o nível da taxa de inflação e o seu efeito no preço das matérias-primas e nos produtos alimentares. Finalmente, acho que esta proposta falha em matéria de ser pró-estrutural. Entendo que o Orçamento, como instrumento de política económica, deve ter como objetivo e finalidade uma estratégia mais geral e global. Não devemos perder de vista o futuro e o que é preciso mudar, no sentido estrutural, para responder, precisamente, a essas mudanças em curso. Em suma, nas duas primeiras caraterísticas, dinâmico e precavido, creio que o Orçamento tem potencial de resposta. Isto apesar de apresentar algum otimismo no contexto macroeconómico. Por outro lado, é muito contido em termos de medidas. E neste particular estou em crer que podia ter ido mais além.

Não se conhece, em rigor, quando será retomado o Pacto de Estabilidade. É isso que pode explicar que o governo prefira optar pela prudência?
A indefinição relativamente à posição europeia faz com que o governo tome precauções. Recordo-me que aquando da crise financeira de 2008/2009 as políticas expansionistas levaram ao aumento da dívida e posteriormente a Europa decidiu inverter o rumo. A Espanha, a Grécia, a Itália e também Portugal foram os países mais penalizados. O que era, de certa maneira, uma crise do euro, acabou por ser transformada numa crise das dívidas soberanas. Avançaram políticas de caráter restritivo e valeu a política monetária de injeção de liquidez na economia que permitiu a vários países, inclusive Portugal, aguentaram-se.

Se as taxas de juro continuarem a escalar, este poderá ser o fator chave a potenciar uma nova recessão global?
Existe o risco real da situação económica global se deteriorar, com consequências imprevisíveis tanto ao nível da dívida pública, como da dívida privada. Por isso, a subida das taxas de juro deve ser extremamente controlada. A dinâmica inflacionista na Europa apresenta caraterísticas muito particulares, sendo a realidade norte-americana substancialmente distinta. Os Estados unidos têm sido mais pragmáticos e decididos na gestão do ciclo económico e é preciso não esquecer que são autossuficientes em matéria energética. Outro aspeto a considerar: os preços da energia são em dólares e o euro está a desvalorizar. São fatores que me levam a acreditar que os Estados Unidos podem vir a recuperar mais cedo.

Esta proposta de Orçamento do Estado reforça o pendor mais social e descura o apoio às empresas?
Compreende-se o pendor social, especialmente para atender às pessoas mais vulneráveis e que mais sofrem com o impacto da atual crise. Defendo que se deve proteger as classes médias, com especial enfoque nos quadros técnicos, sobretudo da administração pública, mas também do setor privado, que têm perdido bastante poder de compra. É essencial ter quadros qualificados, satisfeitos e dedicados, em setores críticos para a sociedade, como são a saúde e a educação. Compensá-los pelas perdas que têm sofrido em termos de poder de compra é fundamental para o dinamismo da sociedade. Já ao nível das empresas considero que é preciso dar estabilidade às empresas, para que estas tomem decisões de investimento, tendo em vista o seu crescimento, contribuindo, deste modo, para o progresso da economia. Para manter a economia a funcionar um quadro de estabilidade é fundamental. O que identifico de negativo neste orçamento é a carência de medidas de natureza transversal.

O objetivo de acautelar a perda de poder de compra é conseguido com o apoio de 125 euros para portugueses com rendimentos até 2700 euros?
Para pessoas com rendimentos mais baixos, 125 euros sempre ajudam nalguma coisa. Mas não é com medidas dessas que se combatem os problemas que estamos a atravessar. É necessária uma perspetiva de caráter mais geral. Mas a resposta de Portugal à atual conjuntura deve estar estreitamente articulada e integrada com a resposta que for dada pela Europa, devendo existir flexibilidade para que cada país possa dar resposta às suas situações particulares. A economia e a sociedade não voltarão a ser as mesmas após a sobreposição da Covid com a guerra.

O crescimento anémico da economia é o nosso calcanhar de Aquiles. Defende um pacto regime entre partidos. Há condições, numa legislatura de maioria absoluta, para haver entendimento?
Há. O acordo do governo com os parceiros sociais foi, de certa maneira, um bom passo. Mas deve ser aprofundada a vontade dos agentes económicos de dialogarem e cooperarem, prosseguindo no objetivo de um acordo mais amplo, envolvendo instituições e partidos, tendo em vista objetivos de crescimento e investimento. O país carece de investimento, muitas das nossas empresas não têm dimensão e muitas outras estão descapitalizadas. Dependemos excessivamente do turismo, o que até considero ser negativo para a nossa mentalidade. Basta olhar para as tendências na Europa, em que se pensa numa nova industrialização, numa nova especialização e no reforço das nossas capacidades internas, tendo em vista sustentar o crescimento. Sem esquecer uma atenção particular aos nossos jovens. O argumento que temos a geração mais qualificada de sempre cai por terra se continuarmos a formar jovens que contribuem para a riqueza de outros países. As pessoas devem trabalhar onde se sentem bem e são reconhecidas, mas não devem ser forçadas a isso. Deve partir de uma escolha própria. Enquanto não dispusermos de uma estrutura económica que aproveite as qualificações que temos, esses jovens terão tendência em ir para fora. Sem crescimento económico não conseguiremos incorporar toda essa gente, dotada com qualificações invejáveis, na nossa estrutura económica.

A pandemia foi uma oportunidade falhada para mudarmos o modelo económico do país?
Para começar, não podemos continuar a ter um modelo económico assente, meramente, nas baixas remunerações. E o setor do turismo convive bem com baixas qualificações e baixas remunerações, sobretudo de mão de obra imigrada. É prioritário, por isso, reorganizar a nossa economia. Ao nível das empresas, apostar na industrialização, sem esquecer até uma intensificação de relações internacionais com países que nos são próximos, tanto geograficamente, como do espaço lusófono. Se seguirmos este rumo, a produtividade – um elemento fundamental em todo este processo – tenderá a aumentar.

Os impostos são as principais fontes de financiamento do Estado e, ao mesmo tempo, pela elevada carga fiscal, um obstáculo ao desenvolvimento. Como obter um ponto de equilíbrio?
É necessariamente difícil. Basta olhar para o espaço público e ver que todos querem apoios do Estado e ao mesmo tempo querem pagar menos impostos. O importante do ato de pagar impostos é sentir que existem contrapartidas ao nível dos serviços públicos. Já as empresas gostam de ter boas acessibilidades aos portos, mão de obra qualificada, colaboradores com saúde, etc. Se virem que os seus impostos contribuem para um conjunto de situações que as empresas beneficiam no seu trabalho, sentirão que vale a pena desembolsar dinheiro para o Estado. O mesmo acontece com as famílias, na educação, na saúde, nos transportes, na qualidade de vida, etc.

Mas parece que em Portugal o dinheiro dos impostos nem sempre é bem aplicado…
É necessário melhorar a qualidade de gestão do orçamento (ao nível da receita e da despesa), e encaixar isto dentro de uma estratégia global. Infelizmente, o país age de forma desgarrada, respondendo a questões conjunturais que vão surgindo e pouco a problemas estruturais. Basta pensar no aeroporto, nos transportes de alta velocidade, etc. São exemplos reveladores da incapacidade para definir orientações estratégicas e coerentes, o que é fundamental para todos, a começar pelas decisões de investimento a adotar pelas empresas. Em termos orçamentais, não coloco em causa que o controlo da dívida e o défice sejam muito importantes, mas o investimento público é um fator absolutamente crítico. Seria muito bom conseguir um aumento de 3,5 por cento do PIB no investimento público.

A baixa taxa de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deixa-o apreensivo?
As notícias que veem a público não são as melhores, pelo fico preocupado como economista e como cidadão. Só espero que não se repita o exemplo das verbas que entraram aqui há uns anos e que, aparentemente, se perderam…

Desempenhou as funções de ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, entre 2009 e 2011. Acredita que a solução Alcochete é a mais viável para o novo aeroporto e que o modelo Portela+1 é limitado a longo prazo. Qual é a fatura a pagar pelo acumular de atraso na decisão sobre o aeroporto de Lisboa?
A fatura está a aumentar todos os dias. O que se passa é que, enquanto a decisão não se toma, estamos a gastar dinheiro em coisas transitórias quando, eventualmente, podíamos estar a aplicar em coisas definitivas. O aeroporto não é uma mera gare aérea, em que os aviões aterram e levantam voo. Tem o potencial de arrastar e atrair novas atividades, permitindo dinamizar a economia num sentido mais amplo. O novo aeroporto deve ser entendido como um projeto económico de futuro, não só para Lisboa, mas para todo o país, para durar, provavelmente, largas décadas ou até uma centena de anos.

A Ordem dos Economistas promove a 27 de outubro uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito da comemoração dos 25 anos da instituição, subordinada ao tema o papel dos economistas no Portugal de hoje, que contará com a presença do Presidente da República. Que reflexões podem ser antecipadas?
Esta conferência pretende que se inicie uma reflexão sobre o papel dos economistas na sociedade portuguesa. Ou seja, o que é que estes profissionais podem fazer hoje para construir o Portugal do futuro. Esta sessão na Gulbenkian será o início de um ano de comemorações, que terá o seu epílogo com o congresso dos economistas, em outubro de 2023. A Ordem dos Economistas pretende que os economistas se afirmem nas suas competências próprias, mobilizando estes profissionais a vincar o seu papel na sociedade portuguesa. Estamos a falar de um corpo extremamente qualificado, a vários níveis e dimensões. Atualmente, existe grande heterogeneidade das formações dos economistas: há os macroeconomistas, os microeconomistas, passando pelos economistas setoriais (economia dos transportes, da saúde, da informação, etc.). Em suma, uma panóplia de especialidades, mas que aportam competências muito importantes para o país.

Que avaliação faz da formação dos jovens economistas?
A formação dos jovens economistas em Portugal é boa e diversificada e acredito que está ao nível do que se passa na Europa e nos Estados Unidos. Olhando para os “rankings” internacionais, constata-se que as escolas portuguesas estão bem posicionadas e têm conseguido atrair estudantes estrangeiros. Falta-nos avançar mais na investigação e ainda não tivemos um Prémio Nobel nesta área. Penso que lá chegará o tempo, mas ainda há uma certa tendência para privilegiar os economistas anglo-saxónicos. Mas regressando aos mais jovens, penso que deviam ser mais apoiados.

De que maneira?
Em muitos domínios a formação é cara, o que obriga o estudante a ter de trabalhar, em simultâneo. Para ter uma formação de qualidade é preciso concluir, pelo menos, o mestrado. Defendo, porventura, um maior incentivo em termos de bolsas de estudo. Para além disso, faria sentido ter, nomeadamente nas maiores cidades do país, uma grande cidade de residências universitárias. Um grande bairro residencial para estudantes, tanto para portugueses, como para estrangeiros, especialmente os provenientes do mundo lusófono. Numa altura em que é tão difícil alugar uma casa ou mesmo um quarto, estou em crer que seria um grande projeto estrutural para o país. Acho que era algo que Portugal podia dar ao mundo.

 

Cara da Notícia

Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

 

António Mendonça nasceu em Cascais, a 18 de maio de 1954. É bastonário da Ordem dos Economistas desde janeiro deste ano. Desde julho último acumula este cargo com a presidência do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP). Professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG-UL), foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do XVIII governo constitucional, entre 2009 e 2011.

Nuno Dias da Silva
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