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Assunção Cristas, docente na Nova School of Law e ex-ministra do Mar A economia do mar precisa de inovação e de jovens talentosos

12-12-2022

Assunção Cristas acredita que Portugal tem todas as condições para se afirmar como uma grande potência na área do desenvolvimento e proteção da economia sustentável do oceano. A ex-ministra revela ainda detalhes sobre a “Ocean”, uma licenciatura pioneira a nível mundial.

Coordena o mestrado em Direito e Economia do Mar da Nova School of Law (NSL), recentemente distinguido pela Eduniversal como o melhor do mundo neste domínio, na categoria de Maritime Management. Para além do natural orgulho na distinção, significa isto que Portugal está na vanguarda neste campo?
O nosso país apresenta, neste campo, uma marca distintiva e temos a possibilidade de irmos mais além em termos internacionais. Este mestrado funciona há sete anos, e de há dois anos a esta parte sofreu algumas transformações, nomeadamente na língua de ensino que passou a ser o inglês e a mudança nalgumas disciplinas, em que de 14 obrigatórias passámos a ter oito e um leque muito alargado de disciplinas facultativas. Há não muito tempo, tínhamos à nossa frente universidades tão relevantes como as de Roterdão, Sydney, Copenhaga e Singapura e este ano obtivemos o primeiro lugar. Isto é o corolário de um trabalho de qualidade que se tem vindo a desenvolver nas universidades portuguesas, mas este mestrado destacou-se pela natureza diferenciada, assente numa visão ampla e integrada. O foco na sustentabilidade, mais visível em determinadas disciplinas, e possuirmos professores de grande qualidade e mérito que fomos agregando a este mestrado, creio que também foram fatores que pesaram na nossa subida no “ranking”. Fazer melhor do que no ano anterior é uma preocupação permanente. Este ano a grande novidade foi o lecionar da cadeira de Maritime Security, a cargo da Marinha Portuguesa, mais concretamente pelo almirante Gouveia e Melo.

Também está ligada à Nova Ocean Knowledge Centre, focado na área do Direito, mas com uma vocação interdisciplinar. Trata-se de mais um contributo para colocar o tema do oceano na agenda?
A marca de água da NSL é olhar sempre para o Direito em contexto e em diálogo com as outras ciências e no caso do Mar isto é especialmente relevante. Não é possível compreender o Mar se tivermos uma abordagem muito setorial. Este Centro, que está a dar os primeiros passos, procura também envolver os estudantes de mestrado em trabalhos de investigação, para além, naturalmente, dos estudantes de doutoramento. Para além disso, já temos alguns estudantes de licenciatura interessados em envolver-se nestas áreas.

Qual é o ponto de situação do pedido de acreditação da “Ocean” (Mar), a licenciatura pioneira a nível mundial da NSL?
Esta candidatura foi preparada ao longo dos últimos dois anos, assente numa preocupação de transversalidade. Para além do mestrado e do Centro, achámos que era da maior importância agregar as diferentes perspetivas e o diferente conhecimento que existe sobre o Mar. Temos na nossa universidade e também na universidade portuguesa, em geral, muito boas formações de licenciaturas e mestrados ligados ao Mar, mas sentimos que faltava algo de muito transversal. Desafiámos outras faculdades a fazer um projeto de raiz, de nível licenciatura (3 anos), que pudesse abarcar o Direito, a Economia, a Gestão, os fundamentos da área da Biologia e da Geologia, também, a História e as Relações Internacionais, tendo o Mar e o oceano como ponto agregador. Escolhemos a designação “Ocean”, em inglês, porque o tema é global e também porque ambicionamos trabalhar para o mundo, criando impacto além-fronteiras.

Que outras instituições para além da NSL estão envolvidas?
O dossiê já está aprovado, apesar deste processo ter arrancado devagar, por ter sido em plena pandemia. É um projeto nunca antes visto no nosso país porque envolve oito entidades diferentes, cinco das quais da Universidade Nova e as outras três das universidades do Algarve e de Évora. Pelas valências envolvidas, prometemos um curso inovador, nomeadamente com o contacto direto com os ecossistemas marinhos. Está previsto arrancar no Algarve com uma semana de campo em princípios de oceanografia. Posteriormente, esta investigação será complementada em Lisboa com o Instituto Oceanográfico pertencente à Marinha. Também está prevista uma semana de campo no final do primeiro ano, mais concretamente em Sines, com a experiência e os desafios de uma cidade costeira. O resto do curso funcionará, essencialmente, em Lisboa, mas há a possibilidade de os estudantes escolherem fazer o último semestre da licenciatura em Sines ou no Algarve, ou em alternativa, nalguma instituição internacional. Uma coisa posso garantir: é um curso absolutamente apaixonante, inovador e multidisciplinar, com várias disciplinas a serem lecionadas por mais do que uma faculdade.

Quais são as saídas profissionais que perspetiva para esta licenciatura pioneira?
Para além de poderem prosseguir mestrados e doutoramentos, podem profissionalmente entrar no mercado de trabalho, seja no âmbito público ou privado, em Portugal ou no estrangeiro. A ligação a organizações não governamentais é outra alternativa a considerar. No setor privado gostaria que alguns dos licenciados pudessem lançar algumas empresas na área do Mar, porque a economia deste setor precisa de inovação e de jovens talentosos. Para além disso, também poderão ajudar as empresas da economia sustentável do Mar a posicionarem-se melhor ou apoiarem investimentos diretos estrangeiros que, não tenho dúvidas, vão acontecer, cada vez mais, em Portugal. É muito importante transformar as boas ideias em negócio.

Refere que Portugal se tem destacado na investigação científica ligada ao Mar, mas precisa de transformar o conhecimento em negócio. Falta uma cultura de empreendedorismo e, em simultâneo, uma maior ligação entre as empresas e as universidades?
Penso que se tem feito um grande caminho, mas é preciso ambicionar mais. Precisamente na licenciatura “Ocean” vamos ter uma disciplina optativa ligada ao empreendedorismo, para reforçar a preparação dos estudantes neste domínio. Desta licenciatura sairão pessoas com a capacidade de dialogar com os cientistas que lidam com diversas áreas. O foco será sempre em proteger, recuperar, restaurar e desenvolver as áreas de atividade económica associadas ao Mar, tendo sempre como foco a sustentabilidade.

Tiago Pitta e Cunha, porventura o maior especialista português quando falamos do oceano, diz que Portugal tem todas as condições para ser uma potência marítima global. O que é que nos falta?
Concordo em absoluto. Os portugueses têm culturalmente uma identidade e uma proximidade com o Mar, mas ainda assim ficamos aquém do que é o nosso potencial. Sempre achei, e reforcei essa ideia quando desempenhei funções governativas, que o Mar era das áreas onde Portugal tinha mais potencial para mostrar. Isto apesar de a economia do Mar, em Portugal, comparando com média da União Europeia, ter uma expressão bastante mais significativa. E dispomos de ferramentas de políticas públicas que nos colocam na linha da frente, não só em termos europeus, mas mundiais. Por exemplo, a Lei de Bases de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo e a Conta Satélite do Mar, só para citar dois casos. Portugal é o segundo país em termos europeus com mais investigadores “per capita” na área do Mar. Significa isto que há trabalho desenvolvido, mas é preciso ir mais além, formando mais gente, atraindo e agregando conhecimento. Transformando o conhecimento em produção de riqueza numa economia que queremos sustentável e respeitadora do oceano.

É possível falar do tema das alterações climáticas sem olhar para o oceano?
Nem pensar. O tema das alterações climáticas recoloca o oceano no centro do debate. A poluição, nomeadamente pelo plástico, e não só, é outro tema recorrente. É preciso ter um oceano saudável e produtivo para que ele cumpra os serviços do ecossistema, como regulador do clima e da vida no Planeta, nomeadamente a produção de oxigénio e a absorção do carbono. O que sabemos é que o oceano está muito frágil e o aquecimento global em nada contribui para a sua saúde.
O Mar e o oceano são fundamentais na descarbonização, tendo em conta o seu impacto em setores diversos como a energia, a alimentação e os transportes…
Não tenho a menor dúvida. O oceano dá respostas para esses setores que referiu, mas também, inclusive, no que à água potável diz respeito através da dessalinização. Um oceano bem tratado pode absorver mais dióxido de carbono e produzir mais alimentos, de forma sustentável, para uma população mundial crescente, que chegará, previsivelmente, a 10 mil milhões de pessoas em 2050. Também precisamos de energia limpa. Já existe a possibilidade testada das energias oceânicas renováveis, desde logo, a eólica “offshore”, no caso português com plataformas flutuantes.

A economia do Mar terá de ser contemplada como um dos pilares do futuro modelo de desenvolvimento do país?
Completamente. Portugal tem uma posição privilegiada, para além da história e da geografia que nos posicionam muito bem a nível internacional. Portugal e o Mar têm um reconhecimento internacional sem paralelo em nenhuma outra matéria no domínio económico. Creio, por isso, que temos todas as condições para nos tornarmos uma grande potência na área do desenvolvimento da economia sustentável do oceano e na sua própria proteção.

«Estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco», escreveu a ativista ambiental Greta Thunberg, no “Livro do Clima”, recentemente editado. Esta frase sintetiza os desfechos dececionantes das últimas cimeiras do clima?
A emergência climática global está reconhecida, mas no quadro internacional existe sempre uma tensão latente entre os países mais desenvolvidos e os que estão em desenvolvimento, acabando por ser aplicado o chamado princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. A Europa, que corresponde a 12 por cento das emissões, é o bloco regional mais comprometido do mundo, mas não é aquele que mais contribui para as emissões. O «velho» continente deve, por isso, liderar pelo exemplo, mas terá de conseguir mobilizar os outros blocos regionais, onde se localizam os grandes emitentes. O contexto da guerra e de inflação que vivemos a nível global, reforça a ideia que é preciso acelerar a descarbonização e ser mais rápidos na transição energética e, neste particular, o oceano pode dar um grande impulso.

Há poucas semanas, os ativistas pelo clima ocuparam escolas e invadiram edifícios públicos e privados. Está solidária com esta forma de protesto pelo clima?
Sendo eu professora de Direito, há uma área que ainda não deu grandes passos intramuros, que é a litigância climática. Há uns anos, cinco jovens portugueses propuseram uma ação contra 33 países no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e está a decorrer esse processo, com base no argumento da falta de respeito intergeracional pelo ambiente que estes jovens vão ter de conviver. Acredito que a Lei Portuguesa do Clima, que entrou em vigor em fevereiro deste ano, apresenta muitas oportunidades por explorar, por jovens, cidadãos em geral, empresas e ONG. Em suma, compreendo este tipo de ativismo por parte de alguns jovens, mas defendo que a via de utilizar os direitos e as ferramentas jurídicas e institucionais ao dispor é mais promissora e consequente.

Uma última questão: como avalia o trabalho desenvolvido pelas escolas na promoção da literacia azul?
Tenho filhos com idades compreendidas entre os 21 e os 9 anos e considero que as escolas têm feito um grande trabalho neste domínio. Em termos de ações concretas no domínio da literacia azul, destacaria o “kit” do mar e o programa “Escola Azul”. A agenda ecológica e ambiental está muito presente nos estabelecimentos de ensino, sendo de saudar o esforço de sensibilização que tem vindo a ser desenvolvido.

 

Cara da Notícia

Sim, senhora ministra!

Assunção Cristas nasceu a 28 de setembro de 1974, em Luanda, Angola. Foi ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, entre 2011 e 2013 e ministra da Agricultura e do Mar entre 2011 e 2015. Desempenhou as funções de presidente do CDS-PP, entre março de 2016 e janeiro de 2020. Foi deputada em duas legislaturas. Atualmente é professora na Nova School of Law e jurista na empresa Vieira de Almeida & Associados, com a responsabilidade da Plataforma de Serviços Integrados ESG e área de prática ambiental deste escritório de advogados.

Nuno Dias da Silva
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