A Vida Errante (Tinta-da-china), de Guy de Maupassant (1850 – 1893) é um caderno de viagem que o escritor francês, discípulo de Flaubert, e um dos mais extraordinários contistas do século XIX, escreveu na sequência da última viagem que empreendeu, começando por terras italianas, Sicília e depois Argélia e Tunísia, escapando ao desconforto de Paris, ao tempo de Exposição Universal de 1899, que abomina como uma quermesse decorada pela Torre Eiffel. “A viagem é uma espécie de porta por onde se sai da realidade conhecida para penetrar numa realidade inexplorada parecida com um sonho”.
O Polaco (D. Quixote) de J. M. Coetzee, Prémio Nobel em 2003, é uma sonata irónica sobre Dante e Beatriz, ao som de Chopin, do septuagenário Witold na sua relação com uma senhora da boa sociedade catalã, patrona das artes, por quem aquele se apaixona, ao ponto de lhe deixar um manuscrito de poemas, depois de um curto idílio em Maiorca. O livro tem a leveza e a profundidade de uma partitura desconhecida, composta à luz das ilusões de um tempo que não admite concessões aos sonhos do romantismo, uma história rendida aos encantos de uma aventura que nem a morte parece interromper.
A Saga/Fuga de J. B. (Quetzal), de Gonzalo Torrente Ballester (1910 – 1999), reedição do fabuloso romance do mestre galego, que localiza a vida extraordinária do protagonista numa fantástica cidade inventada, onde sucedem acontecimentos por demais misteriosos ao longo de mil anos, prefaciado por Saramago, que coloca o seu autor à mão direita de Cervantes: “A minha primeira reacção ao lê-lo, só comparável à que me tinha causado o Quixote , foi que um livro assim não podia existir. Ao lado dele, tudo parecia pequeno, insignificante, desnecessário”.
A Morte e o Pinguim (Porto Editora), de Andrei Kurkov, anteriormente publicado com o título de “Morte de um Estranho”, é a obra mais aclamada do escritor ucraniano, comédia negra dos anos pós-soviéticos de uma Ucrânia ainda à procura da sua identidade como país soberano, num tempo em que tudo parece precário, com um protagonista em crise pessoal que escreve obituários para sobreviver, com um pinguim como animal de estimação. Humor cáustico ao melhor estilo de um Gogol moderno.
Mrs. March (Alfaguara), de Virginia Feito (n.1988, Madrid), Prémio Valencia Negra 2022, é a história de Agatha March, uma senhora da boa sociedade nova-iorquina, casada com George, romancista de sucesso que acaba de publicar mais um êxito. No entanto, a senhora March entra numa espiral de dúvidas sobre o comportamento do marido, o que leva a um desfecho inesperado. Num registo de suspense, com ecos de Highsmith e Hitchcock, é um livro divertidamente engenhoso e perverso, na melhor tradição do género psicológico “negro”.
Luz de Lisboa (Contraponto), de Harrie Lemmens, tradutor para holandês de escritores de língua portuguesa, então a viver em Berlim Oriental conheceu a fotógrafa portuguesa Ana Carvalho, apaixonaram-se por Lisboa, e o resultado é esta antologia com fotografia, que é “mais que um livro de histórias literárias para quem a quer conhecer por dentro”, respigando vários autores, desde os tempos medievais aos dias de hoje, atafulhada de turistas, aqui resgatada por palavras, num roteiro histórico e nostálgico e muito evocativo da luz eterna da cidade do Tejo.
Ritual (Temas e Debates), de Dimitris Xygalatas, antropólogo grego, estudo inovador sobre os rituais e como estes moldaram as sociedades, embora sejam comuns desde os insectos às aves, peixes e mamíferos, sejam ele profanos ou sagrados, pessoais ou comunitários, fruto das tradições mais inusitados da história humana e das suas variadas culturas, numa mescla de etnografia avançada sobre as variedades das experiências dos cultos e dos ritos.
Mussolini (ASA), de Antonio Scurati, com o subtítulo de “Os últimos dias da Europa”, é o terceiro volume publicado desta formidável história da vida romanceada do ditador italiano, recriando o delírio fascista que arrastou a Itália para uma guerra que não podia vencer. Neste volume estamos em 1940 e tudo se aproxima do derradeiro acto de uma tragédia anunciada. Um livro que é uma verdadeira lição de História contemporânea.
Breve História da Guerra Civil de Espanha (Tinta-da-china), de Helen Graham, foi considerado pelo historiador Paul Preston “a melhor introdução” ao conflito fratricida que dilacerou o país vizinho, e que prenunciou a guerra mundial que se declarou logo em seguida, numa edição ilustrada que sintetiza o contexto e as consequências sociais, culturais e políticas de uma página sangrenta da História do século XX.
Gargântua & Pantagruel (E- Primatur), de Rabelais, relata as aventuras do gigante Gargântua e do seu filho Pantagruel, uma extraordinária obra saída do génio iconoclasta que, em pleno Renascimento, concebeu este monumento plurifacetado, onde cabem a sátira, o fantástico, a crítica mordaz, o humor, a troça, a paródia, um texto filosófico, comidas e vinhos, saberes vários e muito gozo, passível de muitas interpretações, em suma, um livro incomensurável, agora traduzido na íntegra por Manuel de Freitas, numa edição com ilustrações de Gustave Doré. Jean Cocteau resumiu: “Rabelais é as entranhas da França, os grandes órgãos de uma catedral cheia de esgares do diabo e do sorriso dos anjos”.
Literatura Portuguesa e Amor (Guerra & Paz), de Jorge de Sena, são duas edições da obra do grande escritor que contemplam a publicação em livro de verbetes escritos, o primeiro para a “Enciclopédia Britânica” (1971), e o outro para o “Grande Dicionário da Literatura Portuguesa e de Teoria Literária” (1969), ambos resgatando uma transmissão de conhecimento superlativo, não deixando que estas duas jóias sejam esquecidas ou ignoradas pelo tempo.